Fui
amaldiçoada pela perda e não mais quero viver. Sinto aquele sentimento sombrio
me tomar, não tenho mais apreço pela vida, não sou forte o bastante para seguir
sozinha. A única pessoa em quem eu confiava partiu deixando em mim lágrimas que
não cessam por nada.
Hoje
o sol não deu as caras; acho que ele é contra a minha decisão. Mas me recuso
permanecer viva após a morte repentina da minha da mãe. Ouço o choro dos mais
chegados e o consolo dos que se dizem amigos, encontro na sala uma mistura
heterogênea de falsidade e sinceridade. Vejo e ouço pessoas dizendo palavras
bonitas sobre ela, mas que sequer a encaravam em vida. Não consigo mais viver. Me
desculpe vida, me desculpe pai. Não sou tão forte. É tão insano, pois não sinto
dor física, mas minha alma está explodindo pela angústia por não poder trocar
de lugar com a minha mãe.
Pois
é, se não posso trocar, pelo menos quero estar na mesma situação. Passei anos
dizendo que se ela partisse, eu iria junto e assim será. O medo tenta me
impedir, mas meu coração esmigalhado é mais forte. Aproximo-me da sacada e
observo pela última vez aquela cena desesperadora. Olho para o meu pai,
enquanto vagarosamente tento me equilibrar sobre o muro da sacada; sua tristeza
é grande ao acariciar mamãe falecida e receber os conselhos de um velho amigo
da família. Sinto muito pai, mas não consigo. De repente, a empregada me grita
chamando a atenção de todos. Papai corre desembalado, mas não adianta: curvo
meu corpo para trás e articulo a frase:
—
Perdoe-me papai!
Ele
não consegue me segurar e, enquanto caio, vejo suas veias se elevarem em seu
pescoço. Talvez minha morte fosse a gota d’água para que ele desistisse também.
Trêmulo, ele chora ao me encarar próximo do último suspiro. E eu caio sentindo
a rapidez do corpo descer. Não sinto o impacto que achei que sentiria; afinal,
mamãe me segurou em seu colo. Enfim a encontrei! Bastou eu me atirar.
Agora,
sigo de mãos dadas com minha querida mãe pela rua, observo enquanto ando por
uma última vez meu corpo sem vida e ensanguentado sobre o chão. Meu pai, ainda
na sacada debruçado sobre os seus antebraços, chorava a dor pela dupla perda.
Será que aquelas lágrimas eram verdadeiras? Afinal, foi por meio das suas
discussões com a mamãe que ela se entregou à depressão e faleceu. Eu não queria
viver ao lado da pessoa que provocou a morte de quem eu mais amava. Então, me
joguei para a morte e agora me encontrei viva novamente, pois voltei para o
lado da minha querida mãe.
Enquanto
andávamos sem rumo pela rua, um carro de som passou tocando um trecho da música
do grupo Legião Urbana: “Ela se jogou da
janela do quinto andar...”
Após
isso, senti um impacto ao lado do meu corpo falecido: papai também se atirou
para morte e sua alma veio nos seguindo. Mas ele não conseguiu nos alcançar; os
espíritos maus o pegaram e não sei para onde o levaram.
(Kim Montebello)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigada pelo comentário!