quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Velório(s)


Fui amaldiçoada pela perda e não mais quero viver. Sinto aquele sentimento sombrio me tomar, não tenho mais apreço pela vida, não sou forte o bastante para seguir sozinha. A única pessoa em quem eu confiava partiu deixando em mim lágrimas que não cessam por nada.

Hoje o sol não deu as caras; acho que ele é contra a minha decisão. Mas me recuso permanecer viva após a morte repentina da minha da mãe. Ouço o choro dos mais chegados e o consolo dos que se dizem amigos, encontro na sala uma mistura heterogênea de falsidade e sinceridade. Vejo e ouço pessoas dizendo palavras bonitas sobre ela, mas que sequer a encaravam em vida. Não consigo mais viver. Me desculpe vida, me desculpe pai. Não sou tão forte. É tão insano, pois não sinto dor física, mas minha alma está explodindo pela angústia por não poder trocar de lugar com a minha mãe.

Pois é, se não posso trocar, pelo menos quero estar na mesma situação. Passei anos dizendo que se ela partisse, eu iria junto e assim será. O medo tenta me impedir, mas meu coração esmigalhado é mais forte. Aproximo-me da sacada e observo pela última vez aquela cena desesperadora. Olho para o meu pai, enquanto vagarosamente tento me equilibrar sobre o muro da sacada; sua tristeza é grande ao acariciar mamãe falecida e receber os conselhos de um velho amigo da família. Sinto muito pai, mas não consigo. De repente, a empregada me grita chamando a atenção de todos. Papai corre desembalado, mas não adianta: curvo meu corpo para trás e articulo a frase:

— Perdoe-me papai!

Ele não consegue me segurar e, enquanto caio, vejo suas veias se elevarem em seu pescoço. Talvez minha morte fosse a gota d’água para que ele desistisse também. Trêmulo, ele chora ao me encarar próximo do último suspiro. E eu caio sentindo a rapidez do corpo descer. Não sinto o impacto que achei que sentiria; afinal, mamãe me segurou em seu colo. Enfim a encontrei! Bastou eu me atirar.
Agora, sigo de mãos dadas com minha querida mãe pela rua, observo enquanto ando por uma última vez meu corpo sem vida e ensanguentado sobre o chão. Meu pai, ainda na sacada debruçado sobre os seus antebraços, chorava a dor pela dupla perda. Será que aquelas lágrimas eram verdadeiras? Afinal, foi por meio das suas discussões com a mamãe que ela se entregou à depressão e faleceu. Eu não queria viver ao lado da pessoa que provocou a morte de quem eu mais amava. Então, me joguei para a morte e agora me encontrei viva novamente, pois voltei para o lado da minha querida mãe.

Enquanto andávamos sem rumo pela rua, um carro de som passou tocando um trecho da música do grupo Legião Urbana: “Ela se jogou da janela do quinto andar...”
Após isso, senti um impacto ao lado do meu corpo falecido: papai também se atirou para morte e sua alma veio nos seguindo. Mas ele não conseguiu nos alcançar; os espíritos maus o pegaram e não sei para onde o levaram.

(Kim Montebello)

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