—
Agora! — grito, fazendo-os estremecer.
Eles
pousam as costas da menina sobre o chão e a colocam em decúbito dorsal.
Ajoelho-me e levanto o queixo da pequena Julie. Abro sua boca e começo a
massagem cardíaca trinta por um. Posiciono minhas mãos uma por cima da outra
sobre o seu tórax e começo a massageá-la; em seguida, peço para Mariane, minha
enfermeira, apertar o ventilador mecânico. Continuamente, verifico a pulsação
e... nada. Tento novamente, afinal, não estava disposta a perder alguém, aliás,
eu nunca havia perdido alguém para morte e, por isso, não imaginava qual seria a
minha reação diante deste fato, pois tinha plena certeza que nunca perderia uma
pessoa. Era confiante. A médica mais jovem do hospital Anjos da Cura e a mais premiada e reconhecida da cidade, justamente
por ser boa o bastante para fazer com que meus pacientes permanecessem vivos.
Mas aquela era uma responsabilidade que eu não deveria ter assumido. A equipe já
havia desistido de salvar a menina; eles enxergavam nos meus olhos o desespero
de sentir a morte me vencendo, levando aquele anjinho, viam que eu não queria parar,
principalmente depois do pedido que a mãe da pequena Julie me fez tomada por
lágrimas:
—
Salve a minha menininha!
—
É o que fazemos aqui, senhora! Fique tranquila.
E
agora, o que dizer? Eu dei esperanças à mãe de que ela veria sua pequena menina viva
e não consegui cumprir minha promessa.
—
Ela se foi! — Mariane disse.
—
O que? Não! Continue, ninguém vai morrer hoje! — desesperada, ordenava.
— Desculpe,
doutora Pietra, mas ela se foi. — Mariane deixou o ventilador mecânico ao lado
da cabeça da pequena menina e se aproximou da equipe que já havia desistido.
Continuei
tentando salvá-la por cinquenta e quatro minutos, mas a morte já havia levado
sua alma. Ergui-me, ouvindo o choro desesperado da mãe perturbando meu cérebro.
Meu peito estava próximo de explodir de tanta dor. Olhei para a mãe
e pedi:
—
Me desculpe! Eu não consegui.
A
mãe não me respondeu, apenas continuou chorando e sentou-se ao lado da filha
abraçando-a.
—
Julie, não me deixe! Não deixe a mamãe!
Eu
não aguentei e também chorei. Segui até a sala de médicos, fechei a porta e
desci as minhas costas caindo da própria altura. Posicionei meus antebraços por
cima do joelho e chorei como nunca havia chorado antes. Minha confiança e a
minha altivez morreram junto com a pequena Julie e minha carreira também.
Retirei
o jaleco, saí do hospital e decidi nunca mais voltar a clinicar, pois não aguentaria
perder mais alguém. A pequena Julie me mostrou isso. Aliás, ainda me mostra. Ela
vive aparecendo pra mim tentando me convencer de que não fui a culpada, mas
infelizmente levo essa culpa cravada em minha alma e este não é um local tão
fácil de ser alcançado. A pequena Julie agora é minha amiga e tenta me fazer
feliz, pois se sente culpada por eu ter abandonado a
medicina.
(Kim Montebello)
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