sábado, 26 de janeiro de 2013

A pequena Julie


Desesperada, grito em busca de ajuda. Minha equipe aparece logo na entrada do hospital. A vítima, uma menina de sete anos, é diagnosticada com parada cardiorrespiratória. Enquanto empurramos a maca para o centro cirúrgico, percebo que não há muito tempo para tentar a ressurreição. Portanto, cesso meus passos, ordeno que a coloquem no chão e todos me encaram.

— Agora! — grito, fazendo-os estremecer.

Eles pousam as costas da menina sobre o chão e a colocam em decúbito dorsal. Ajoelho-me e levanto o queixo da pequena Julie. Abro sua boca e começo a massagem cardíaca trinta por um. Posiciono minhas mãos uma por cima da outra sobre o seu tórax e começo a massageá-la; em seguida, peço para Mariane, minha enfermeira, apertar o ventilador mecânico. Continuamente, verifico a pulsação e... nada. Tento novamente, afinal, não estava disposta a perder alguém, aliás, eu nunca havia perdido alguém para morte e, por isso, não imaginava qual seria a minha reação diante deste fato, pois tinha plena certeza que nunca perderia uma pessoa. Era confiante. A médica mais jovem do hospital Anjos da Cura e a mais premiada e reconhecida da cidade, justamente por ser boa o bastante para fazer com que meus pacientes permanecessem vivos. Mas aquela era uma responsabilidade que eu não deveria ter assumido. A equipe já havia desistido de salvar a menina; eles enxergavam nos meus olhos o desespero de sentir a morte me vencendo, levando aquele anjinho, viam que eu não queria parar, principalmente depois do pedido que a mãe da pequena Julie me fez tomada por lágrimas:

— Salve a minha menininha!

— É o que fazemos aqui, senhora! Fique tranquila.

E agora, o que dizer? Eu dei esperanças à mãe de que ela veria sua pequena menina viva e não consegui cumprir minha promessa.

— Ela se foi! — Mariane disse.

— O que? Não! Continue, ninguém vai morrer hoje! — desesperada, ordenava.

— Desculpe, doutora Pietra, mas ela se foi. — Mariane deixou o ventilador mecânico ao lado da cabeça da pequena menina e se aproximou da equipe que já havia desistido.

Continuei tentando salvá-la por cinquenta e quatro minutos, mas a morte já havia levado sua alma. Ergui-me, ouvindo o choro desesperado da mãe perturbando meu cérebro. Meu peito estava próximo de explodir de tanta dor. Olhei para a mãe e pedi:

— Me desculpe! Eu não consegui.

A mãe não me respondeu, apenas continuou chorando e sentou-se ao lado da filha abraçando-a.

— Julie, não me deixe! Não deixe a mamãe!

Eu não aguentei e também chorei. Segui até a sala de médicos, fechei a porta e desci as minhas costas caindo da própria altura. Posicionei meus antebraços por cima do joelho e chorei como nunca havia chorado antes. Minha confiança e a minha altivez morreram junto com a pequena Julie e minha carreira também.

Retirei o jaleco, saí do hospital e decidi nunca mais voltar a clinicar, pois não aguentaria perder mais alguém. A pequena Julie me mostrou isso. Aliás, ainda me mostra. Ela vive aparecendo pra mim tentando me convencer de que não fui a culpada, mas infelizmente levo essa culpa cravada em minha alma e este não é um local tão fácil de ser alcançado. A pequena Julie agora é minha amiga e tenta me fazer feliz, pois se sente culpada por eu ter abandonado a medicina.

(Kim Montebello)

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